Crianças e Corona - Cuidados. Christoph Meinecke

 

Crianças e Corona, Tradução Raul Guerreiro, Páscoa 2021

 

 Campanha “Aqui eu posso estar” (Hier darf ich sein) do Grupo de Trabalho “Gravidez - Nascimento - Primeira Infância” da Seção Médica e Seção Pedagógica do Goetheanum, por Christoph Meinecke, Karin Michael

 

Qual o impacto real da pandemia atual sobre a saúde das crianças? Cuidando das necessidades básicas das crianças para uma infância saudável e bem sucedida.

 

As crianças e o vírus Corona

 

Atualmente não podemos admitir que as crianças sejam os agentes propulsores da pandemia. Isto está claramente descrito nas declarações do instituto alemão Robert Koch (1) e ainda em uma grande variedade de outras publicações. A infecciosidade parece aumentar com a idade, igualando a dos adultos a partir dos 12 anos de idade aproximadamente. Ela é mais baixa em crianças pequenas, durante os primeiros três anos de vida (2). O mesmo se aplica à suscetibilidade a infecções. Embora professores e educadores, em comparação com a população geral, revelem uma taxa duas a quatro vezes maior de distúrbios devida ao vírus COVID-19, isto não os distingue de outras profissões que envolvem igualmente um contato social imediato, como por exemplo outras áreas de atividades educacionais, medicinais, terapêuticas e de enfermagem. Simultaneamente, a proporção de adultos que provocaram surtos de infecção nas escolas é significativamente maior do que a das crianças (2).

 

Assim, as infecções não têm origem predominantemente em crianças pequenas e crianças em idade escolar (3). A diretriz oficial alemã "S3 – Medidas para prevenir e controlar a transmissão da Síndrome SARS CoV-2 nas escolas" leva isso em consideração e recomenda medidas de higiene de baixa intensidade, as quais podem adequadamente permitir que as escolas sejam abertas e mantidas operacionais (4). Embora a carga viral em crianças não pareça ser diferente daquela dos adultos, o desenvolvimento de um distúrbio com COVID-19 em crianças é na grande maioria dos casos,  ligeiro. Isto está associado a uma possível imaturidade do sistema imunológico ainda existente.

 

 

 

Metade das infecções em crianças não expressam sintomas. A outra metade apresenta sinais não específicos de infecções das vias respiratórias, sem gravidade. Ocasionalmente surgem febres e reações gastrointestinais, mas só muito raramente distúrbios respiratórios ou sensoriais. Uma grande proporção das infecções infantis com a Síndrome SARS CoV-2 nem chega a ser comprovada. Estudos mostram um número até 6 vezes maior de crianças com evidência de anticorpos no sangue, do que o número de casos registados (5). Isto significa que as crianças, com as suas numerosas evoluções clínicas não-conclusivas, podem contribuir significativamente para o estabelecimento de uma imunidade coletiva (imunidade de grupo). Geralmente isto é observável em um nível de 60-70%, ou seja, a pandemia é considerada como extinta quando 60-70% de todas as pessoas exibem anticorpos. Ainda não está comprovado se este nível percentual estimativo é aplicável às novas variantes do vírus. Também há opiniões que consideram irrealista o estabelecimento da imunidade de grupo. Entre outras coisas, isto se justifica pelo fato de que o vírus está em constante mutação. Assim, de modo semelhante ao vírus da gripe, também poderíamos ter que lidar com uma nova variante da Síndrome SARS CoV-2 em cada novo período sazonal, ou seja, anualmente (6). Independentemente disto, uma imunocompetência contra a Síndrome SARS CoV-2, uma vez adquirida, não parece prevenir de forma confiável uma subsequente infecção, mas parece ser capaz de reduzir significativamente a manifestação e a gravidade de uma nova infecção. Assim, parece desejável que as crianças adquiram sua própria competência imunológica de modo natural, e que as vacinações sejam dirigidas de maneira orientada para as populações mais vulneráveis, e de acordo com os recursos.

 

 

 

As necessidades das crianças e o seu estado de saúde atual

 

 

 

O estado de saúde das nossas crianças e jovens tem sido uma questão preocupante já há muito tempo. Em particular, o aumento de casos de alergia e obesidade, bem como  distúrbios de aprendizagem escolar e de comportamento, são devidos ao novo ambiente de vida no qual muitas crianças estão a crescer: um ambiente cada vez mais antinatural e enclausurado. Além disso, a poluição do ar, a falta de exercício, a urbanização, a sobrecarga sensorial e a exposição maciça aos meios de comunicação digitais estão causando novos problemas para o mundo das crianças. Poucas crianças podem desfrutar dos 90 a 180 minutos diários de uma atividade física salutar, ou as 3 porções diárias de alimentos com legumes e frutas, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Sentir a natureza e espaços verdes, ou visualizar panoramas largos e abertos, é algo que para muitas crianças ficou impossível. Além disso, hoje em dia a vida da maioria das famílias está baseada em tarefas caseiras elementares desde cedo, o que resulta em poucos períodos para uma real convivência familiar. As necessidades básicas das nossas crianças, como ritmos de vida saudáveis e regulamentados, espaços livres para brincar, movimentação corporal, oportunidades de exploração e impulsos para pesquisar o mundo, assim como gozar laços familiares seguros que proporcionem segurança, interesse amoroso e reconhecimento, estão cada vez mais a desaparecer.

 

 

 

Não é por nada que Remo Largo, o famoso e respeitado médico pediatra suíço especializado em desenvolvimento, proclamou já em 2017: "As coisas não podem continuar assim!". (7) Ele exigiu mais espaço de desenvolvimento individual para crianças, bem como a criação de comunidades de residência que integrem diferentes gerações. "Não fomos feitos para viver numa sociedade de massa anónima. Precisamos de uma comunidade de vida estável e sustentável ao nosso redor. A pequena família já não chega para isso". (7) As restrições nos contactos, tal como estão sendo impostas sobre todas as gerações na atual resposta à pandemia, são o oposto de tudo o que as crianças precisam para um desenvolvimento saudável. As restrições devem ser reduzidas ao mínimo possível. Na nossa sociedade como um todo, as necessidades básicas das crianças devem ser reconhecidas como dignas da mesma prioridade consignadas a unidades médicas de terapia intensiva, ou a atenção focada nas taxas de mortalidade em relação com a idade.

 

 

 

Efeitos da pandemia sobre as crianças

 

 

 

Crianças e jovens já estão sofrendo imenso com as medidas adotadas como resposta à pandemia. Crianças e jovens são na realidade as vítimas mais sacrificadas devido a essas medidas, embora sejam as menos diretamente afetadas pela doença (8). Já foi comprovado um aumento de distúrbios mentais e psicossomáticos devido à pandemia. Por exemplo, na primeira onda um aumento de dores de cabeça, dores abdominais, desânimo, tristeza, nervosismo, irritabilidade e distúrbios do sono. A qualidade de vida, conforme sentida pelas próprias crianças, também diminuiu. Além disso, durante a primeira onda, 70% de todas as crianças pesquisadas declararam estar significativamente saturadas pela crise Corona. Após a segunda onda, este número cresceu para mais de 80% (9). Semelhante nível de estresse tem efeitos negativos significativos sobre a saúde de uma pessoa para o resto da vida. O resultado é supressão imunológica, suscetibilidade a infecções, redução da eficácia das vacinas, aumento das complicações infecciosas, aumento da mortalidade, aumento da carga patológica, e uma expectativa de menor duração da vida. Além disso, durante a pandemia as crianças passaram a sofrer de modo muito mais significativo devido a inatividade física, aumento de peso, comportamento agressivo, reduzida capacidade de concentração, depressões, ansiedade, pânico, e a obrigatoriedade de constantes lavagens ou desinfecções. Tal como no caso da própria infecção, as medidas anti-pandémicas afetam mais fortemente sobretudo as crianças socialmente mais fracas, que passam a sofrer mais com as consequências.

 

 

 

A situação de muitas crianças devido à pandemia Corona é global. Cada vez mais crianças – e isto não apenas nos países mais pobres –  estão sofrendo com as consequências simultaneamente económicas e sociais da crise. A pressão exercida sobre as famílias atinge-as de forma particularmente penosa. As oportunidades de educação e desenvolvimento estão a diminuir. E a fome continua a crescer a um ritmo intolerável entre as populações mais pobres entre as pobres. (9A)

 

 

 

O que podemos fazer? O que é que as nossas crianças e as suas famílias necessitam imediatamente?

 

 

 

Provavelmente o mais importante é: estímulos e incentivos para os pais – e alegria de viver para as crianças!

 

 

 

Todas as crianças precisam de sentir com certeza que as suas necessidades têm um lugar na vida – tanto em termos de espaço como de tempo (10). Todas as crianças precisam de positividade, afirmação, reconhecimento, alegria e confiança. Elas precisam de lidar com as vivências dos outros, e a possibilidade de dar e receber atenção entre todos. Elam necessitam de humor e ligeireza no trato, movimentos, natureza, ambientes verdes (11) e ar para respirar, bem como ritmo e confiabilidade, alimentação saudável e um sono tranquilo. Especialmente por causa das atuais circunstâncias externas adversas – que exigem um alto grau de adaptabilidade – elas precisam de momentos da vida em que possam sentir "Aqui eu posso estar, aqui sou um ser humano, aqui estou segura".

 

 

 

Os pais são quem mais podem beneficiar de dicas práticas. As instruções ou dicas serão mais eficazes quanto mais simples elas forem. Em nossa opinião, pais, avós, educadores e professores precisam imediatamente de incentivos, pois as crianças estão especialmente sobrecarregadas com as implicações para a saúde provocadas pela resposta anti-pandémica.

 

 

 

Isto exige uma decisiva modificação na atitude básica mantida pela sociedade, a saber: não são as crianças que estão a ameaçar a saúde dos adultos, mas sim são as medidas adotadas que ameaçam a saúde das nossas crianças!

 

 

 

Este "reenquadramento" (12) da situação abrirá a possibilidade de se encontrar uma saída para a austeridade que se instalou devido às simples medidas de proteção anti-infecciosa, e dará lugar a uma nova capacidade de ação. A pura preocupação com a saúde das crianças, uma vez combinada com uma assistência prática, pode assim ser transformada em confiança e garantia de que se pode agir ativamente para o bem-estar e o desenvolvimento da resistência imunológica das crianças.

 

 

 

A campanha "Aqui eu posso estar" pretende trazer um contributo para isto. As recomendações abaixo resultam da posição anteriormente apresentada.

 

 

 

O que podemos fazer atualmente para o bem-estar dos nossos filhos?

 

 

 

• Proporcionar às crianças espaços pequenos e despreocupados para o seu desenvolvimento natural.

 

• Reforçar a confiança e as forças interiores através de repetições e ritmos.

 

• Perceber os medos e superá-los!

 

• Cantar e dançar!

 

• Trocar mais abraços, calor e proximidade entre todos!

 

• Cultivar o ato da lavagem das mãos como um ritual bonito, e não como a eliminação de um perigo.

 

• Depois da lavagem, esfregar entre as mãos uma preciosa gotinha de óleo essencial de rosas, e sentir o seu perfume.

 

• Fazer coisas práticas e essenciais juntos: cozinhar, fazer bolos, limpar, arrumar.

 

• Redescobrir as forças da natureza:

 

- Ao ar livre somos mais livres.

 

- Animais caseiros podem curar as almas das crianças, incentivar os movimentos e dar lugar a momentos alegres.

 

- Dentro de uma floresta podemos respirar mais profundamente e promover a saúde.

 

- Semear flores e agriões, em vasos ou no exterior, e observar como eles crescem.

 

- Promover entre as crianças a ideia dos "meus lugares”, “minha árvore”, “meu regato”, etc. Isto promove a segurança interior.

 

- Realizar jogos intensos e incentivar a percepção sensorial.

 

- Brincar com lama, areia e água.

 

- Rir à vontade.

 

- Contar histórias.

 

- Vivenciar pequenas aventuras.

 

- Preparar e cozinhar pãezinhos simples.

 

- Fazer testes de coragem e de superação de barreiras.

 

 

 

A proteção das crianças necessita de adultos dedicados, seguros e orientados para o futuro!

 

 

 

 

 

 

 

___________________

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

1 Robert Koch-Institut. Epidemiologischer Steckbrief zu SARS-CoV-2 und COVID-19. Stand: 18.03.2021. Verfügbar unter https://www.rki.de/DE/Content/InfAZ/N/Neuartiges_Coronavirus/Steckbrief.html (29.03.2021).

 

2 Robert Koch-Institut: Epidemiologisches Bulletin 13/2021. Verfügbar unter https://www.rki.de/DE/Content/Infekt/EpidBull/Archiv/2021/Ausgaben/13_21.pdf?__blob=publicationFile (29.03.2021).

 

3 Auch die Co-Ki Registerstudie in Deutschland konnte bisher keine Belege dafür finden, dass Kinder eine relevante Infektionsquelle für SARS-CoV-2 darstellen: Schwarz S, Jenetzky E, Krafft H, Maurer T, Steuber C, Reckert T, Fischbach T, Martin D. Corona bei Kindern: Die Co-Ki Studie. Relevanz von SARS-CoV-2 in der ambulanten pädiatrischen Versorgung in Deutschland. Monatsschrift Kinderheilkunde 2021;169:39–45. DOI: https://doi.org/10.1007/s00112-020-01050-3.[Crossref]

 

4 Deutsche Gesellschaft für Kinder- und Jugendmedizin e.V. (DGKJ), Deutsche Gesellschaft für Epidemiologie e.V. (DGEpi), Deutsche Gesellschaft für Pädiatrische Infektiologie e.V. (DGPI) (Hg).  Maßnahmen zur Prävention und Kontrolle der SARS-CoV-2-Übertragung in Schulen - Lebende Leitlinie. AWMF-Registernummer 027-076 (Stand: 07.02.2021). 

 

5 Hippich M, Holthaus L, Assfalg R, Lampasona V, Bonifacio E, Ziegler AG. A Public Health Antibody Screening Indicates a 6-Fold Higher SARS-CoV-2 Exposure Rate than Reported Cases in Children. Clinical Advances 2021;2(2):149-163. DOI: https://doi.org/10.1016/j.medj.2020.10.003. [Crossref]

 

6 Aschwanden C. Five reasons why COVID herd immunity is probably impossible. Nature 2021;591: 520-522. DOI: https://doi.org/10.1038/d41586-021-00728-2.[Crossref]

 

7 Remo Largo im Interview, Luzerner Zeitung online vom 29.05.2017. Verfügbar unter https://www.luzernerzeitung.ch/schweiz/remo-largo-beruhmtester-schweizer-kinderarzt-so-kann-es-nicht-mehr-weitergehen-ld.82817.

 

8 Darauf wies auch ein Oberarzt der Kinderklinik Olgahospital in Stuttgart (DE) in der deutschen Fernsehsendung ZDF-Extra am 22.03.2021 hin.

 

9 Ravens-Sieberer U, Kaman A, Otto C, Adedeji A, Devine J, Erhart M, Napp AK, Becker M, Blanck-Stellmacher U, Löffler C, Schlack R, Hurrelmann K. Psychische Gesundheit und Lebensqualität von Kindern und Jugendlichen während der COVID-19-Pandemie – Ergebnisse der COPSY-Studie. Deutsches Ärzteblatt Int 2020;117(48):828-829. DOI: https://doi.org/10.3238/arztebl.2020.0828. [Crossref]

 

9A zu den verheerenden weltweiten Auswirkungen auf das Wohl der Kinder s. z.B.:

 

- Hunger: https://www.welthungerhilfe.de/hunger/kinder-und-hunger/

 

- wachsende Armut: https://www.caritas-international.de/spenden/soforthilfe-akute-katastrophe/projekt-kinder-in-corona-not

 

- Bildungsnotstand: https://www.unicef.de/informieren/aktuelles/blog/weltweite-bildungskrise-durch-corona-pandemie/238458

 

10 Remo Largo nennt dies das Fit-Prinzip: Entspricht die Lebensumgebung den Bedürfnissen des heranwachsenden und sich entfalten wollenden Menschen? In seinem letzten Buch erweiterte er dieses Prinzip auf das ganze Leben des Menschen: Largo R. Das passende Leben. Was unsere Individualität ausmacht und wie wir sie leben können. 2. Aufl. Frankfurt: Fischer Taschenbuch; 2019.

 

11 Vgl. Flade A. Zurück zur Natur? – Erkenntnisse und Konzepte der Naturpsychologie. Berlin: Springer; 2018.

 

12 Reframing, übersetzt „neu rahmen“, ist ein methodischer Begriff aus der Systemischen Familientherapie. Er meint den Wechsel der Betrachtungsweise auf eine belastende Situation, um zu neuen Handlungsoptionen zu kommen

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