Raiva Transformada.
Sonia von Homrich, 12 Set 2022
Afinal o que é o Eu do Ser Humano? Como ele atua? O Eu, o Espírito eterno do ser humano, o que encarna muitas vezes, é ele que trabalha continuamente na Alma do Sentimento ou “Sentiente” (21-28), na Alma do Intelecto ou da Razão (28-35) e na Alma da Consciência (35-42) liberando as forças nelas ligadas permitindo que o Ser Humano avance em sua evolução enriquecendo suas capacidades. O Eu, o Espírito eterno do ser humano é quem faz o ser humano assumir o controle de sua evolução na Terra e progredir de vida para vida, remediando, compensando os defeitos, os problemas das vidas anteriores e ampliando as capacidades da alma. De vida para nova vida, a evolução humana em primeiro lugar consiste no trabalho do Eu sobre a alma -= posteriormente, dos 42 aos 63, o trabalho é do Eu sobre o Eu.
Claro que aqui estou falando dos aspectos espirituais do ser humano e não estou usando a Ciência Espiritual de Rudolf Steiner e sua metodologia.
Quando o Eu afunda no egoísmo, significa que apesar do ser humano ter a tarefa real de enriquecer a si mesmo, internamente, isto não significa ser egoísta endurecendo o seu Eu e fechando-se das riquezas do mundo. Neste caso a pessoa pode cada vez mais se enriquecer interiormente, mas ao mesmo tempo perder a sua conexão com o mundo. Este enriquecimento significará que o mundo nada mais tem para lhe dar e nem esta pessoa tem algo a dar ao mundo. Ele continuará lutando para enriquecer o seu Eu mas se isolará do mundo. Claro que este desenvolvimento caricaturado o empobrece de forma crescente pois trata-se de desperdício interior, o egoísmo. Então agir como uma espada de dois gumes é por um lado o ser humano se enriquecer sempre mais e mais e por outro lado ele dar tudo que absorve em seu poderoso centro deixando dele emanar o que absorve de volta em harmonia com o mundo exterior. Então desenvolver seus próprios recursos e ao mesmo tempo deixar sair relacionando-se com a existência de forma integral. Tornando-se um ser independente e não egoísta simultaneamente. Quando o Eu trabalha nesta aparentemente contraditória direção – quando de um lado ele se enriquece crescentemente e de outro lado torna-se não egoísta, a evolução humana dá mais passos em direção ao futuro tornando-se fonte de satisfação para o indivíduo e ou dar saudável para a existência integral. E assim, o Eu trabalha em cada um dos três membros da alma de tal forma que ambos os lados do desenvolvimento humano são mantidos em equilíbrio.
Então o trabalho do Eu leva a um acordar gradual. O desenvolvimento ocorre em todas as formas de vida e estes 3 membros que citei da alma humana estão em diferentes estágios de evolução.
A Alma do Sentimento a portadora de nossas emoções, impulsos e de todos os sentimentos que são despertados por estímulos diretos do mundo exterior, é a mais fortemente desenvolvida das três, desde que o Eu acorde totalmente. Quando o ser humano trabalha interiormente em si mesmo e sua vida da alma progride, o Eu torna-se cada vez mais claramente consciente de si mesmo. Avançando para a rica vida da Alma do Intelecto ou da Razão o Eu ganha mais clareza ele consegue total clareza na Alma da Consciência onde o ser humano se conscientiza de si mesmo como um indivíduo que se afasta de seu ambiente e é ativo na obtenção de conhecimento objetivo sobre ele. Isso só é possível quando o Eu está acordado na Alma da Consciência.
O Eu acorda na Alma do Sentimento/Sentient através das ondas de prazer e dor, alegria e tristeza e poucas vezes se percebe o Eu como uma entidade. Já na Alma do Intelecto quando as ideias e julgamentos são desenvolvidos, o Eu ganha pela primeira vez claridade para atingir a claridade integral, inteiramente, na Alma da Consciência.
O ser humano tem o dever de se auto-educar através de seu Eu e assim avançar em seu próprio desenvolvimento.
Como lidar com as ondas de emoções que surgem na Alma do Sentimento? Aqui o Eu é guiado por algo que surge independentemente e o ser humano deve considerar este aspecto dual da espada. O Eu é educado considerando os dois lados. É aqui que grandes objeções podem surgir pois a raiva surge enquanto o Eu está nela adormecido ainda ou meio-consciente.
Como adquirir julgamentos internos iluminados? Não se perturbando ao ver um erro (Alma do Intelecto madura), calmamente ciente do erro (alma da consciência), um ser humano consegue prescrever a solução adequada, sem o impulso emocional, através de um julgamento ético e terapêutico-pedagógico ou ao se perturbar ao ver um erro, o ser humano perde a calma, deixa de discernir, se enfurece sem saber o que fazer, este ser humano se inflama em raiva.
É a raiva sempre inapropriada? Não exatamente. Antes de estarmos aptos a julgar um evento (por evolução própria) à luz da Alma do Intelecto ou da Consciência, a sabedoria da evolução nos propiciou superar a emoção causada por um evento no mundo exterior. Algo é ativado em nossa Alma do Sentimento através do evento mesmo quando ainda não somos capazes de formular uma resposta correta como um ato do julgamento – este algo que é ativado é alcançarmos o centro de nossa Alma do Sentimento.
Estudar a raiva nos ajuda a compreender mais sobre o futuro. A raiva é um julgamento sobre um evento no mundo exterior – aprendemos através da raiva a reagir inconscientemente através da raiva a algo errado e assim avançamos gradualmente para iluminar julgamentos em nossas almas superiores (as que vamos desenvolvendo). Podemos considerar a raiva como uma educadora pois faz surgir uma vivência interior antes que tenhamos maturidade suficiente para formar um julgamento iluminado de certo e errado. Assim olhamos a raiva no jovem antes que ele seja capaz de considerar um julgamento, como sinal de uma injustiça ou algo que violenta seus ideais – está é a raiva correta, justa. A raiva-justa motiva a capacidade de um julgamento justo causada por algo ignóbil, imoral ou louco. Aqui reside a missão da raiva, elevar o Eu , fazê-lo ascender a níveis superiores.
Como um ser livre, tudo no ser humano pode degenerar. A raiva pode degenerar e servir para gratificar o pior tipo de egoísmo. Pode sim ajudar o ser humano a crescer e avançar na direção da liberdade.
Não podemos deixar de ver que a mesma coisa que pode nos
levar para o mal, quando manifesta em seu verdadeiro significado, tem a missão
de trazer o progresso ao ser humano.
O ser humano pode mudar o mal em bem, em qualidades positivas quando desenvolvidas na forma correta, fazendo-as se tornar uma propriedade do Eu. Assim a raiva pode ser sim o prenúncio do que eleva o ser humano acalmando-o em qualidades em propriedades próprias.
A raiva é sem dúvida educadora do Eu. Quando a raiva é superada ao ver a injustiça ou a loucura, quando somos assim confrontados com algo do mundo exterior, o Eu se faz sentir e tenta se proteger do evento externo. Aqui, todo o conteúdo do Eu está envolvido. Se a visão da injustiça ou da loucura não acendesse a raiva-nobre em nós, os eventos no mundo exterior nos levariam como um mero espectador ; não sentiríamos a picada do Eu e não teríamos preocupação alguma com o seu desenvolvimento.
A raiva enriquece o Eu e o convoca a confrontar o mundo exterior, e ao mesmo tempo induz ao altruísmo. Pois se a raiva é tal que pode sim ser chamada de nobre e não cai na raiva cega (aquela que o faz agredir o próximo, sem ser em auto-defesa), seu efeito amortece o sentimento do Eu e produz o sentimento de impotência na alma. Se a alma é sufocada pela raiva, sua própria atividade se torna mais suprimida de forma crescente. Vivenciar a raiva pode ser tornar um auto-envenenamento com o “enraivecer-se”. A raiva que devora a alma é o veneno que promove egoísmo.
A raiva serve para nos ensinar ambas: independência e altruísmo. Esta é sua missão dupla como educadora da humanidade, antes ainda que o Eu esteja bem maduro para empreender sua auto-educação. A raiva nos habilita a tomar uma posição independente quando o mundo exterior ofende nosso sentimento interior e assim nem seríamos altruístas, mas sim dependentes em seu Eu.
Para nós, cientistas espirituais, a raiva nos mostra que quando a pessoa é incapaz de explodir de raiva diante da injustiça e da loucura ou da tolice, a verdadeira bondade e o verdadeiro amor nunca será desenvolvido. Igualmente a pessoa que se auto-educa através da raiva nobre tem um coração abundante de amor e através do amor esta pessoa fará o bem. Amor e bondade são o inverso da raiva nobre. O outro lado da moeda. A raiva que é superada e purificada se transforma em amor que é a sua contra-parte. Uma mão amorosa raramente é aquela que nunca se fechou em resposta à injustiça ou à tolice/loucura. Raiva e amor são complementares.
Um espiritualista superficial dirá que temos que superar nossas paixões, limpá-las e purifica-las.
Superar não significa fugir ou evitar algo. É um tipo estranho de sacrifício este realizado por alguém que se propõe a se afastar de seu eu apaixonado, fugindo dele. Inexiste a possibilidade de superarmos algo sobre o qual não temos posse. Então primeiro temos que sentir raiva, sentir uma raiva nobre. Só superamos a raiva que somos capazes de sentir em nós. Não se trata de fugir da raiva. Se trata de transmutar. Trata-se de transformar a raiva em nós mesmos, em nossa vida interior. Transformando-a nos elevamos da Alma do Sentimento para a Alma do Intelecto e a Alma da Consciência, onde o amor e o poder abençoado de dar nasce.
Raiva transformada, transmutada é amor em ação. É nosso aprendizado através da realidade. A raiva assim moderada, mediada tem como missão levar os seres humanos ao amor. É a pedagoga do amor.
Não é em vão que chamamos o poder indefinido que flui da sabedoria do mundo e se mostra endireitando os erros a "ira de Deus", em contraste com o amor de Deus. Sabemos que essas duas coisas pertencem-se; sem a outra, nenhuma existe. Na vida elas requerem e determinam-se, uma à outra.
Na missão da verdade, os pensamentos de Goethe são claramente expressos em sua Pandora, um de seus melhores poemas e podemos vislumbrar no Prometheus acorrentado (embora não tão claramente), o papel da raiva como um fenômeno na Historia do mundo.
A tarefa do Eu de enriquecer-se através das vivências nas quais trabalha e atua também é a de trazer esta riqueza interior em harmonia, no mundo, no nosso em torno.
Notas:
Metamorfoses da Alma: A raiva. https://rsarchive.org/Lectures/19091205p01.html
Descrição das Almas: Sentimento, Intelecto e Consciência https://www.ime.usp.br/~vwsetzer/const2.htm